A infindável “guerra fiscal”, a LC 160/17 e seus reflexos na concorrência.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento de que a concessão de benefícios relativos ao ICMS sem a autorização do Confaz é inconstitucional, o que se verifica, em especial, nos julgamentos ocorridos em junho de 2011, apesar de outros entendimentos assentados nesse sentido, fixados em decisões anteriores, nas quais o Plenário do Tribunal, ao julgar quatorze Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Boletim Informativo 629, STF) sobre o mesmo tema, declarou inconstitucionais as contestadas leis estaduais e distritais.
Para os ministros do STF, os benefícios, como redução ou isenção de ICMS, somente podem ser concedidos após a celebração de um convênio, aprovado pelo Confaz, entre os Estados e o Distrito Federal, o que não ocorreu nos casos analisados e que envolveram legislações do Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Pará, Espírito Santo e o Distrito Federal.
Apesar do posicionamento da Suprema Corte, alguns Estados e o Distrito Federal continuam editando leis contrárias àquela jurisprudência já consolidada, apostando na eventual atração de empregos e eventual desenvolvimento regional, pelo menos enquanto não ocorram decisões judiciais específicas, derrogando aquelas novas legislações.
Visando ao fortalecimento do pacto federativo, começou a ser discutida pelo STF em abril de 2012 a proposta, de autoria do Ministro Gilmar Mendes, de editar uma súmula (súmula vinculante 69) que estabeleça uma regra definitiva sobre a concessão de incentivos e isenções fiscais estaduais, que vem sendo sucessivamente postergada, em especial pelo posicionamento dos Estados e do Senado, que tentam votar antes uma regulamentação sobre o tema. No edital da proposta, o ministro afirma que o Supremo decidiu vinte vezes de maneira idêntica, entendendo sempre que benefícios de ICMS não podem ser concedidos sem autorização do Confaz.
O texto original da proposta estabelece que seria inconstitucional qualquer modalidade de isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação do Confaz.
Há a possibilidade, porém, de que a redação original seja alterada para adotar posição semelhante à decisão proferida em 2015 na ADI 4481, na qual, por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de parte de lei paranaense que previa a concessão de benefícios fiscais para importações realizadas pelos portos e aeroportos de Paranaguá e Antonina, uma vez que caracterizam concessão de benefício sem a celebração de convênio. Foi considerado inconstitucional também dispositivo que autoriza o governador a conceder benefício por ato infralegal.
Segundo o relator da ação, Ministro Luís Roberto Barroso, o entendimento do STF é no sentido de que a concessão unilateral de benefícios fiscais relativos ao ICMS sem a prévia celebração de convênio, nos termos da Lei Complementar 24/1975, afronta o artigo 155, §2º, inciso XII, letra ‘g’, da Constituição Federal.
Fato importante a ser destacado foi a modulação dos efeitos da decisão, que passará a valer a partir da data do julgamento da referida ADI. O relator ponderou que a lei vigorou por oito anos, e desfazer retroativamente seus efeitos geraria um impacto imprevisível e injusto com relação aos agentes econômicos, que cumpriram a legislação nos termos em que foi disposta, defendendo uma ponderação entre a regra constitucional que foi violada e a segurança jurídica, a boa-fé e a estabilidade das relações jurídicas que já se constituíram.
O relator argumentou ainda que, nos casos que envolvem benefícios fiscais estaduais e distritais, a Corte deveria se pronunciar cautelarmente, suspendendo os efeitos da legislação, a fim de que ela não vigore por prazo que possa gerar efeitos jurídicos significativos, o que não ocorreu no caso analisado. A posição quanto à modulação foi acompanhada por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio.
Há evidente pertinência quanto à necessidade de discussão da modulação dos efeitos daquelas decisões, porém, em vista da pluralidade de interesses e de direitos envolvidos e das consequências positivas e negativas da referida modulação, cabe aos ministros a devida ponderação de valores, inclusive os impactos e eventuais prejuízos à concorrência, tema que não tem sido levado em consideração quando eles discutem a extensão dos efeitos de suas decisões na seara tributária.
Por seu turno, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou no dia 31 de maio do presente ano, por 405 votos a 28, o texto-base do Projeto de Lei Complementar 54/15, originada do Senado, que convalida benefícios concedidos unilateralmente por Estados e pelo Distrito Federal para incentivar a instalação de empresas em seus territórios. O texto aprovado propõe uma transição para a extinção desses benefícios, com prazos que variam de 1 a 15 anos de vigência.
O projeto permite ainda que convênios sobre incentivos e benefícios fiscais sejam aprovados e ratificados sem a exigência de unanimidade do Confaz, mas apenas com o voto favorável de um mínimo de 2/3 dos Estados, sendo que, desses, 1/3 deve ser de unidades federativas da região a qual pertence o Estado.
O referido projeto foi aprovado, sendo publicada, em 08 de agosto do corrente ano, a Lei Complementar 160/2017 que dispõe sobre convênio que permite aos Estados e ao Distrito Federal deliberar sobre a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto da alínea “g” do inciso XII do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal e a reinstituição das respectivas isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais.
A referida Lei Complementar deverá ter sua constitucionalidade contestada, pois desrespeitou o posicionamento pacífico do STF sobre a concessão unilateral de benefícios tributários, instituindo um regime de exceção, contrário à Constituição e prejudicial à concorrência, na medida em que convalida vantagens tributárias em prejuízo daqueles agentes que deles não se apropriaram.

Leia Também